Doutrina de Direito Urbano

8- Desapropriação

Conceito

É a operação complexa de direito público mediante a qual a Administração obriga o proprietário de um bem a transferir-lhe a propriedade e posse desse bem, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, desde que haja necessidade pública, utilidade pública ou interesse social[1].

Entende-se por desapropriação a transferência compulsória da propriedade de bens móveis ou imóveis particulares para o domínio público, em função de utilidade pública ou necessidade pública, ou interesse social (artigo 1.228, do Código Civil).

 

Objeto da desapropriação

Pode ser objeto de desapropriação bens móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos, bem como os bens públicos. Entretanto, na última hipótese, deve-se observar que a União pode desapropriar bens dos Estados e dos Municípios, e os Estados poderão desapropriar bens de Município, não sendo a recíproca verdadeira. Todavia, a desapropriação entre entes públicos precisa de autorização legislativa (artigo 2º, §2º-A, Decreto-Lei nº 3.365/41).

A desapropriação da propriedade é a regra, mas a posse legítima ou de boa-fé também é expropriável, por ter valor econômico para o possuidor, principalmente quando se trata de imóvel utilizado ou cultivado pelo posseiro. Certamente a posse vale menos que a propriedade, mas nem por isso deixa de ser indenizável[2].

 

Aquisição originária de propriedade

A desapropriação é forma originária de aquisição de propriedade, porque não provem de nenhum título anterior, e, por isso, o bem expropriado torna-se insuscetível de reivindicação e libera-se de quaisquer ônus que sobre ele incidissem precedentemente, ficando os eventuais credores sub-rogados no preço.

 

Requisitos constitucionais

Os requisitos constitucionais exigidos para a desapropriação resumem-se na ocorrência de necessidade ou utilidade pública ou de interesse social e no pagamento de justa e prévia indenização em dinheiro (artigo 5º, XXIV, da Constituição Federal), ou em títulos especiais da dívida pública (artigo 182, §4º, III, da Constituição Federal, para fins de “parcelamento, edificação ou utilização compulsórios”) ou da dívida agrária (artigo 184, da Constituição Federal, para fins de reforma agrária).

 

Finalidade

A desapropriação somente poderá ocorrer se houver:

a) necessidade pública (hipótese em que há risco iminente, situações de emergência somente possíveis de serem solucionadas com a transferência de bens particulares para o domínio público);

b) utilidade pública (a desapropriação deverá ser conveniente e oportuna ao atendimento do interesse público, embora não seja imprescindível);

c) interesse social (objetivo de reduzir as desigualdades sociais, com a distribuição, o aproveitamento da propriedade pública em benefício da coletividade de categoriais sociais).

O regime jurídico da declaração por necessidade ou utilidade pública está prevista no Decreto-lei nº 3.365/41 e o regime jurídico da declaração por interesse social está previsto na Lei Federal nº 4.132/62.

A declaração de utilidade ou necessidade pública, ou interesse social, pode ser realizada pela União, Estados e Municípios. No entanto, a declaração de utilidade pública para fins de reforma agrária compete privativamente à União, conforme o artigo 184 da Constituição Federal.

São hipóteses de necessidade ou utilidade pública, conforme indicado no artigo 5º, do Decreto nº 3.365/41: a)  a segurança nacional; b)  a defesa do Estado; c)  o socorro público em caso de calamidade; d) a salubridade pública; e)  a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência; f)  o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica; g)  a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais; h)  a exploração ou a conservação dos serviços públicos; i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais; j)  o funcionamento dos meios de transporte coletivo; k)  a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza; l)  a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens moveis de valor histórico ou artístico; m) a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios; n)  a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves; o) a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística ou literária; p)  os demais casos previstos por leis especiais.

 

Já segundo o artigo 2º, da Lei nº 4.132/62, considera-se de interesse social: I – o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico; II – a instalação ou a intensificação das culturas nas áreas em cuja exploração não se obedeça a plano de zoneamento agrícola, VETADO; III – o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola: IV – a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habilitação, formando núcleos residenciais de mais de 10 (dez) famílias; V – a construção de casa populares; VI – as terras e águas suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte, eletrificação armazenamento de água e irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas socialmente aproveitadas; VII – a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais .VIII – a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam apropriados ao desenvolvimento de atividades turísticas.

 

Indenização

A indenização deve ser prévia, justa e em dinheiro.

A indenização prévia significa que o pagamento ao expropriado deve ser realizado antes que o Poder Público seja emitido na posse do imóvel.

A justa indenização inclui o valor do bem, suas rendas, danos emergentes e lucros cessantes, despesas judiciais, honorários de advogado e correção monetária. Além disso, o expropriado poderá requerer cumulativamente juros compensatórios (juros inerentes à atualização do valor) e juros moratórios (juros impostos sancionatoriamente ao devedor pelo atraso no cumprimento da obrigação), devendo estes ser contados a partir do primeiro dia do ano seguinte àquele em que a indenização deveria ter sido paga.

A regra geral é que a indenização seja paga em dinheiro, isto é, em moeda corrente. Esse é o provimento constitucional, mas também existem exceções previstas na própria Constituição Federal: a) pagamento em títulos da dívida pública na desapropriação para consecução do “parcelamento, edificação ou utilização compulsórios”; b) pagamento em títulos da dívida agrária, para fins de reforma agrária. 

Na desapropriação consensual pode ser estabelecido qualquer meio de pagamento.

 

Competência

A competência para “legislar” sobre desapropriação é da União, conforme o artigo 22, II, da Constituição Federal. A competência para “declarar” a desapropriação é concorrente, pois pertence à União, Estados, Municípios, Distrito Federal, além das concessionárias de serviços públicos, desde que autorizadas por lei. O Poder Legislativo também pode “declarar” um bem expropriado. A competência para “executar” a desapropriação também pertence à União, Estados, Municípios, Distrito Federal e as concessionárias de serviço público, desde que estejam autorizadas por lei.

 

Procedimento administrativo

A desapropriação é um procedimento administrativo que se realiza em duas fases: a primeira, de natureza declaratória, consubstanciada na indicação da necessidade ou utilidade pública ou do interesse social; a segunda, de caráter executório, compreendendo a estimativa da justa indenização e transferência do bem expropriado para o domínio do expropriante. É um procedimento administrativo e não um ato, porque se efetiva através de uma sucessão ordenada de atos intermediários (declaração de utilidade pública, avaliação, indenização), visando a obtenção de um ato final, que é a adjudicação do bem ao Poder Público ou ao seu delegado beneficiário da expropriação.

A declaração expropriatória pode ser feita por lei ou por decreto em que se identifique o bem, seja indicada a sua finalidade, apontando o dispositivo constitucional que a autorize. A declaração pelo Poder Executivo é realizada através de decreto do Chefe do Poder Executivo, enquanto que a declaração de desapropriação promovida pelo Poder Legislativo é formalizada por lei, considerada de efeito concreto e equiparável ao ato administrativo, não é uma lei normativa, é específica e de caráter individual.

A desapropriação pode ser efetiva pela via administrativa ou por processo judicial. A desapropriação administrativa, por acordo entre as partes quanto ao preço, será formalizada mediante um termo de desapropriação, para posterior lavratura da escritura pública e registro no Cartório de Imóveis competente.

 

Caducidade

Na declaração de desapropriação pode ocorrer a caducidade, se transcorridos cinco anos nos casos de utilidade e necessidade pública (artigo 10, Decreto-lei nº 3.364/41), e dois anos no caso de interesse social (artigo 3º, Lei nº 4.132/62), somente podendo ser renovada em qualquer uma das hipóteses depois de um ano do implemento da caducidade.

 

Direito de extensão

É o que assiste ao proprietário de exigir que na desapropriação se inclua a parte restante do bem expropriado, que se tornou inútil ou de difícil utilização. Cabe ao proprietário manifestar sua intenção no acordo administrativo ou na ação judicial que se instaurar para a fixação da indenização.

 

Imissão na posse

É possível que o Poder Público solicite a imissão provisória na posse, antes do trânsito em julgado da desapropriação. Assim, é fundamental a observância de alguns requisitos, como a declaração de urgência pelo Poder Público, o pedido expresso de imissão e o depósito do valor arbitrado em juízo, podendo o particular levantar até oitenta por cento do valor.

O levantamento do preço será deferido mediante prova de propriedade, de quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bem expropriado, e publicação de editais, com o prazo de dez dias, para conhecimento de terceiros. Se houver concordância, reduzida a termo, do expropriado, a decisão concessiva da imissão provisória na posse implicará a aquisição da propriedade pelo expropriante com o consequente registro da propriedade na matrícula do imóvel. Nessa hipótese o expropriado poderá levantar cem por cento do depósito, descontados as dívidas fiscais.

A alegação de urgência, que não poderá ser renovada, obrigará o expropriante a requerer a imissão provisória dentro do prazo improrrogável de 120 (cento e vinte) dias.

 

Retrocessão

A retrocessão consiste na obrigação da Administração Pública de oferecer o bem ao antigo proprietário, comprometendo-se este a devolver o valor da indenização devidamente atualizado, caso o bem desapropriado não seja utilizado para o interesse, necessidade ou utilidade pública e pretenda o Município alienar esse bem. O antigo proprietário possui direito de preferência, pelo preço atual da coisa. Se este direito não for respeitado, o expropriado possui cinco anos para ingressar com a ação de retrocessão requerendo perdas e danos. É o que prevê o artigo 519, do Código Civil:

Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa.

 

Tredestinação

Se o bem expropriado não recebe a destinação prevista no ato de desapropriação, ocorre a chamada Tredestinação. Se o bem desapropriado é transferido indevidamente a terceiro ou houve prática de desvio de finalidade pública, a Tredestinação será ilícita (retrocessão). Todavia, se a mudança no destino do bem ocorrer para atender necessidade pública diversa, a Tredestinação será lícita[3].

Existem quatro tipos de desapropriação: direta, indireta, confiscatória e sancionatória.

 

Desapropriação direta

É a chamada desapropriação clássica, mencionada acima, que ocorre para saciar o interesse e necessidade públicos e o interesse social. Nesta modalidade de desapropriação, a indenização deverá ser prévia, justa e em dinheiro.

 

Desapropriação indireta

Ocorre quando o poder público se apropria de bens particulares sem observar os requisitos da declaração e indenização prévia. Desta forma, cabe ao particular pleitear no prazo máximo de cinco anos seu direito de indenização. Não podendo o bem ser desincorporado do patrimônio público, em função do princípio da continuidade da prestação dos serviços públicos. A desapropriação indireta não passa de esbulho da propriedade particular e, como tal, não encontra apoio em lei. É situação de fato que se vai generalizando em nossos dias, mas que a ela pode opor-se o proprietário até mesmo com os interditos possessórios. Consumado o apossamento dos bens e integrados no domínio público, tornam-se, daí por diante, insuscetíveis de reintegração e reivindicação, restando ao particular haver a indenização correspondente, da maneira mais completa possível[4].

 

Desapropriação confiscatória

É a expropriação de terra utilizada para o cultivo de plantas psicotrópicas e não autorizadas, conforme disposição do artigo 243 da Constituição Federal. Maria Sylvia Zanella Di Pietro considera essa desapropriação como inconstitucional, por não haver prévia indenização em dinheiro, configurando mais um confisco de terras privadas do que a desapropriação propriamente dita.

 

Desapropriação sancionatória

Ocorre quando o proprietário não explora sua propriedade, não dando a mesma finalidade útil, ou seja, quando não há o cumprimento da função social da propriedade. Esta modalidade poderá ser urbana, se a desapropriação é realizada pelo município, visando atender a política urbana. A indenização deverá ser prévia, justa e em Títulos da Dívida Agrária e está prevista no artigo 182, §4º, da Constituição Federal.

[1] José Cretella Junior. Dicionário de Direito Administrativo. Desapropriação. Editora Forense.

[2] Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. Pág. 764.

[3] Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. Editora Malheiros.

[4] Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. Pág. 763.