Definição
Leva-se em conta para caracterizar um desmembramento a existência de uma gleba, a sua divisão em lotes, a destinação destes lotes a edificação, o aproveitamento do sistema viário existente, além do fim urbano. Todas as unidades (lotes) resultantes do desmembramento deverão ter, no mínimo, uma frente para logradouro público oficial, reconhecido pelo Poder Público. Ruas clandestinas, ruas particulares, ciclovias, rodovias, ferrovias não podem ser utilizadas como frente do lote para caracterizar o desmembramento.
O desmembramento exige que os lotes estejam de frente para uma via pública existente. Para tanto, ela deve estar reconhecida oficialmente pela Prefeitura. Uma rua ou avenida são oficiais quando o terreno é de domínio público e o Município, por decreto ou lei, denomina ou reconhece sua existência.
Também será considerada uma via pública oficial a que resultar de um decreto de declaração de utilidade pública para fim de desapropriação, com decisão judicial de imissão na posse ou sentença definitiva.
Deve-se, além disso, reconhecer como via pública oficial aquela localizada em terreno particular, onde por decreto ou lei, mesmo sem o pagamento de indenização ou formal procedimento expropriatório, foi tomada sua posse, definida sua denominação ou declarada sua desapropriação. É o apossamento administrativo ou desapropriação indireta, que gera o direito subjetivo de recebimento de indenização pelo proprietário do terreno onde a rua ou avenida foi aberta. Se o proprietário não ingressar com a ação dentro do prazo prescricional[1], o Município também não se tornará automaticamente dono da área onde está rua. O problema é que para o Município obter a matrícula do imóvel em seu nome precisará que o dono do terreno realize a doação dele. Outra possibilidade seria o Município ingressar com usucapião, judicial ou extrajudicial, arguindo o preenchimento dos requisitos de posse do imóvel, providência que é amplamente acolhida pela doutrina clássica, viabilizando assim a abertura da matrícula da rua. Porém, ressaltamos que o decreto ou a lei são suficientes para reconhecer essa rua em terreno particular como rua pública, desde que esteja consolidada, isto é, já aberta, com trânsito de pedestres, veículos e ocupações no seu entorno. A destinação pública atribuída em determinado bem imóvel particular faz incorporar a coisa no patrimônio do Poder Público, mesmo sem o registro imobiliário.
Diferença entre desmembramento e desdobro
O desmembramento e o desdobro possuem uma similaridade. Ambos não abrem ruas ou prolongam as ruas existem. Somente pode ser considerado como desmembramento ou desdobro a divisão de lotes que se realize em frente a uma via pública existente.
A diferença entre desmembramento e desdobro deve ser resolvida pela própria legislação municipal, estabelecendo um critério de separação entre um e outro. Como veremos no capítulo sobre desdobro, existem diversas normas das Corregedorias Gerais de Justiça estabelecendo critérios capaz de distingui-los. No Estado de São Paulo, por exemplo, a divisão de um terreno em até dez lotes é considerado como “desdobro”, pois dispensa o “registro especial” do artigo 18, da Lei nº 6.766/79.
Requisitos
Os desmembramentos devem cumprir os requisitos impostos pela Lei nº 6.766/79, bem como pela legislação municipal que regulamente os padrões urbanísticos e edilícios e o procedimento administrativo de licenciamento.
São requisitos que devem estar presentes na iniciativa, no projeto e na sua análise: a) estar localizado em zona urbana, zona de expansão urbana ou zona de urbanização específica; b) apresentar o projeto de desmembramento o cronograma para execução das obras de infraestrutura básica, o desenho e descrição técnica dos lotes; c) ficar demonstrado que o desmembramento é viável técnica e economicamente para o Município (isto é, que o sistema público suporta o abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, iluminação, coleta de lixo e custeio de toda a manutenção após a entrega do empreendimento).
Há uma diferença substancial em relação aos requisitos dos loteamentos, pois enquanto nestes é obrigatória a destinação de áreas para o domínio público e a demarcação das áreas não edificáveis, nos desmembramentos esses requisitos não são exigidos, a não ser que lei municipal também os exija.
Disposições urbanísticas sobre o desmembramento
Ao projeto de desmembramento aplicam-se as mesmas disposições urbanísticas para as regiões onde eles estão inseridos. Não havendo essas disposições, aplicam-se as normas urbanísticas para os loteamentos. A lei municipal pode exigir para o desmembramento tudo aquilo que é exigido para o loteamento, mas não pode desfigurá-lo. Exigir a abertura de rua no desmembramento é descaracterizá-lo, mas não será exigir a reserva de uma área pública, por exemplo. Com efeito, o desmembramento é a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes. (artigo 2º, §2º, da Lei Federal nº 6.766/79).
Segundo nos ensina Toshio Mukai, aplicam-se ao desmembramento o inciso II, do artigo 4º (que dá como tamanho mínimo do lote 125m² e frente mínima de 5m, se outras dimensões não forem exigidas por legislação municipal) e o artigo 5º (que faculta a Município ou o Distrito Federal, complementarmente, exigir, em cada loteamento, reserva de faixa non aedificandi destinada a equipamentos urbanos), ambos da Lei de Parcelamento do Solo Urbano. Ainda de acordo com Toshio Mukai, a reserva de áreas destinadas ao uso público especial passou a poder ser exigida no desmembramento. Anteriormente, como o Decreto-lei nº 58/37 não regulava esta modalidade de parcelamento do solo, a transferência das áreas reservadas referidas somente dizia respeito aos loteamentos e o Decreto-lei nº 271/67, no seu artigo 4º, também só obrigava essa transferência quando se tratasse de loteamentos[2].
O parágrafo único do artigo 11, objeto dos comentários, estabelece uma regra para situação específica: o desmembramento de lotes decorrentes de loteamento cuja destinação de área pública tenha sido inferior ao mínimo exigido por lei para aprovação dos loteamentos. Ocorrendo isso, exige-se que o Município fixe diretrizes específicas para este tipo de situação, podendo inclusive exigir reserva de área pública para aprovar o desmembramento, e as diretrizes municipais poderão fixar um percentual menor de área pública que a exigida para os loteamentos, apenas para atender a situação específica de desmembramento de lotes de loteamentos.
Ressalva-se que não é o simples fato de existência de anterior desmembramento que impede novo parcelamento, havendo possibilidade de ser deferido esse novo desmembramento sucessivo, desde que se avalie o tempo decorrido entre eles se os requerentes e atuais proprietários não são os mesmos que promoveram o anterior parcelamento ou seja, se ingressaram na cadeia de domínio subsequente ao desmembramento originário sem qualquer participação no fracionamento anterior se não houve intenção de burla à lei, se houve esgotamento da área de origem , ou se o novo parcelamento originou lotes mínimos, que pela sua área, impossibilitam novo desdobro.
Nos desmembramentos, o oficial, sempre com o propósito de obstar expedientes ou artifícios que visem a afastar a aplicação da Lei nº 6.766/79, cuidará de examinar, com seu prudente critério e baseado em elementos de ordem objetiva, especialmente na quantidade de lotes parcelados, se se trata ou não de hipótese de incidência do registro especial. Na dúvida, submeterá o caso à apreciação do Juiz Corregedor Permanente (170.4, Provimento 37/13, Tomo II, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo).
[1] STJ – Tema Repetitivo 1019: O prazo prescricional aplicável à desapropriação indireta, na hipótese em que o Poder Público tenha realizado obras no local ou atribuído natureza de utilidade pública ou de interesse social ao imóvel, é de 10 anos, conforme parágrafo único do art. 1.238 do CC.
[2] Mukai, Toshio; Alves, Alaor Caffé. Loteamentos e Desmembramentos Urbanos. São Paulo: Editora Sugestões Literárias.
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