Conceitos
A definição de um assentamento consolidado foi estabelecida pelo legislador para que sejam considerados três conceitos previstos nos incisos I, II e III, do artigo 11, da Lei nº 13.465/17, que constituem os elementos universais para identificação de um “núcleo urbano informal consolidado”, sujeito as regras da Lei nº 13.465/17 e do Decreto nº 9.310/18. Veremos adiante os três conceitos fixados pelo legislador: a) núcleo urbano; b) núcleo urbano informal; c) núcleo urbano informal consolidado.
Conceito de núcleo urbano
Segundo o artigo 47, I, da Lei nº 11.977/09, já revogado, “área urbana” era a “parcela do território, contínua ou não, incluída no perímetro urbano pelo Plano Diretor ou por lei municipal específica.”
Pelo artigo 11, I, da Lei nº 13.465/17 e artigo 3º, I, do Decreto nº 9.310/18, “núcleo urbano” é o “assentamento humano, com uso e características urbanas, constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento prevista na Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972, independentemente da propriedade do solo, ainda que situado em área qualificada ou inscrita como rural”.
Aqui ainda não estamos diante de uma situação informal ou consolidada, pois isso o legislador vai dispor nos incisos II e III, do mencionado artigo 11. Nessa primeira conceituação, a preocupação do legislador é trazer uma definição para os núcleos urbanos, de uma forma geral, assim como fazia a Lei nº 11.977/09 ao se referir a “área urbana”. Essa definição, entretanto, aplica-se apenas para fins de regularização fundiária urbana.
O núcleo urbano, pela lei nova, para que assim o seja considerado, deve apresentar alguns elementos: a) assentamento humano; b) com uso e características urbanas; c) constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento prevista na Lei nº 5.868/72; d) independentemente da propriedade do solo; e) ainda que qualificada ou inscrita como rural.
Assentamento humano
O núcleo urbano deve ser constituído de um conjunto de edificações, com diversas unidades imobiliárias, ocupadas por diversas famílias, formando uma comunidade, um aglomerado populacional, mas isso sem que haja uma definição precisa do número de edificações ou famílias. Podemos ter um núcleo urbano com três ocupações, assim como núcleos urbanos com dezenas, centenas ou milhares de ocupações. Pode ser um trecho de uma quadra, pode ser um bairro ou até mesmo uma parcela do território municipal. Uma grande capital pode ter essas situações todas. Pode haver um lote de domínio público invadido por três ou quatro famílias, há décadas, que ali constituíram seus lares, formaram seus descendentes, estudam e trabalham próximos dali, nunca foram incomodados pelo Poder Público, e não é errado dizer que isso pode ser um núcleo urbano, e consolidado, como veremos a diante. As pequenas cidades, talvez tenham situações de grandes núcleos urbanos para regularizar, mas é mais provável que tenham também pequenas situações.
É isso que o legislador denomina de “assentamento humano”, expressão de origem na antiga União Soviética, que tem o mesmo significado de “povoamento”, expressão empregada ao longo de toda a história da humanidade para indicar o lugar, a aldeia, a vila, a cidade, onde viviam pessoas com a intenção de compartilhar o espaço urbano.
E é importante ressaltar que desse conceito excluem-se as situações individuais. “Núcleo”, “assentamento”, expressões adotadas pelo legislador na conceituação indicam um conjunto de moradores e construções, e, portanto, regularizações de lotes individualizados que não formam um conjunto não podem ser objeto de regularização pela Lei nº 13.465/17.
No conceito de núcleo urbano estão incluídos os loteamentos, os desmembramentos, os condomínios, os conjuntos habitacionais e as ocupações ilegais em áreas de domínio público ou privado. É normal os estudantes questionarem a forma de regularizar ocupações isoladas, que não constituam um conjunto agregado capaz de identificar um “núcleo urbano” (assentamento). A regularização de ocupações isoladas ou individuais é matéria abordada no último capítulo deste trabalho, ao qual remetemos o leitor.
As cidades são conhecidas pelos seus bairros, vilas, colônias e até mesmo as favelas ou as comunidades, mas o legislador parece ter receio de empregar essas palavras. Isso quer dizer que núcleo urbano é tudo onde houver ocupação humana, especialmente para fins de moradia, mas também pode ter comércio, pequenas indústrias (confecção de roupas, fabricação de sorvetes), igrejas. Não é concebível imaginar um bairro formado apenas por moradias. Presume-se que haja comércio, serviços, indústrias. A regularização de distritos comerciais ou industriais, insere-se no conceito de “assentamento humano”. O “uso” destinado ao núcleo urbano informal consolidado não é um fator que impeça ou limite a dimensão do processo de regularização fundiária.
Uso e características urbanas
O legislador menciona que esses “assentamentos” possuem “usos e características urbanas”. A Lei nº 13.465/17 fez uso de dois termos: “usos” e “características”.
Assentamentos destinados a fins rurais, isto é, agricultura, pecuária, extrativismo e agroindústria, fogem dos usos tidos como urbanos e, portanto, não podem ser denominados como núcleos urbanos os que possuam usos rurais. Não pode ser regularizado pelo Município o núcleo com usos e características “rurais”. Esse tipo de regularização é de competência da União. A competência do Município para regularizar é de núcleo, com usos e características urbanas.
Os usos urbanos são a moradia, o lazer, o comércio, os serviços, as indústrias, as instalações institucionais. Uso urbano significa a efetiva e real utilização da unidade imobiliária com uma dessas atividades. Haverá o uso urbano se a unidade imobiliária possuir ocupação com pessoas morando ou praticando o comércio, por exemplo.
Mas o legislador também empregou outro termo: “características” urbanas. Não é suficiente que o núcleo urbano seja usado em atividades urbanas (moradia, lazer, comércio, serviços, indústrias, instalações institucionais). É preciso que ele possua “características” urbanas. Pelo Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa “característica” é a qualidade que permite distinguir, que é inerente a natureza da coisa. A principal característica de urbano é o tamanho do lote, tema do próximo capítulo. Podemos ter um núcleo formado por unidades imobiliárias de 02 hectares (20.000 m²), respeitando a fração mínima de parcelamento do “módulo rural”. Embora sejam unidades imobiliárias usadas para moradia (atividade urbana) o espaçamento, a dispersão, a localização podem caracterizá-la como rural. O núcleo localizado na zona rural da cidade ou distante do centro urbano, com casas usadas para moradia, mas com um grande quintal, horta, algumas árvores frutíferas, galinheiro, chiqueiro, são fatores que qualificam o núcleo com “características” rurais. Não é porque tem moradia que necessariamente será rural. É uma avaliação a ser realizada pelo Município.
Constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento prevista na Lei nº 5.868/72
Segundo o artigo 8º, § 1º, da Lei nº 5.868/72, “a fração mínima de parcelamento será: a) o módulo correspondente à exploração hortigranjeira das respectivas zonas típicas, para os Municípios das capitais dos Estados; b) o módulo correspondente às culturas permanentes para os demais Municípios situados nas zonas típicas A, B e C; c) o módulo correspondente à pecuária para os demais Municípios situados na zona típica D”.
Através da Instrução Especial INCRA nº 05-A, de 1973 e da Instrução Especial nº 50, de 1997 foram estabelecidas as frações mínimas de parcelamento para cada microrregião do território brasileiro. A fração mínima de parcelamento é definida em hectares, de acordo com a atividade rural desempenhada no imóvel (hortigranjeira, lavoura permanente, lavoura temporária, pecuária, florestal e imóvel não explorado ou com exploração não definida). Na microrregião da cidade de Santos, localizada no litoral do Estado de São Paulo, por exemplo, para a atividade hortigranjeira a fração mínima de parcelamento corresponde a 02 hectares. Já na cidade de Itanhaém, também no litoral do Estado de São Paulo, a fração mínima de parcelamento para atividade hortigranjeira é de 03 hectares.
Para os efeitos de aplicação da Lei nº 13.465/17 os núcleos urbanos para assim serem considerados devem ser constituídos por unidades imobiliárias (lote, casa ou apartamento) abaixo da fração mínima de parcelamento. Nos exemplos citados acima, em Santos o núcleo urbano deverá ser formado por unidades imobiliárias inferiores a 02 hectares, enquanto em Itanhaém o núcleo urbano pode ser formado por unidades imobiliárias inferiores a 03 hectares. Já no Estado de Minas Gerais, em Belo Horizonte e Sete Lagoas os núcleos urbanos podem ser formados por unidades inferiores a 02 hectares, enquanto em Bom Despacho devem ser inferiores a 03 hectares, e em Pedra Azul inferiores a 04 hectares.
Em Santa Catarina, a menor fração do módulo rural em Florianópolis são 02 hectares, enquanto em Laguna são 03 hectares. No Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, são 02 hectares. Na Bahia, Salvador são 02 hectares, mas Feira de Santana são 04 hectares. Em Tocantins, no Município de Gurupi, a menor fração do módulo rural são 02 hectares. No Mato Grosso, em Nova Mutum, são 04 hectares.
Não é a gleba, a área inteira ocupada pelo núcleo urbano que precisa ter no máximo 02 hectares, 03 hectares, 04 hectares, mas cada lote, casa ou apartamento (unidade imobiliária).
O núcleo urbano em Santos, por exemplo, pode ser constituído de 10 ou mais lotes, cada um com no máximo 02 hectares.
Existe o que se denomina de “sítio de recreio” ou “chácara de recreio”, uma espécie de condomínio ou loteamento, geralmente instalado na zona rural da cidade, destinado a moradia eventual e transitória para fins de lazer ou recreação (casa de praia, casa de campo). É possível que, na época da implantação, embora não tenha cumprido a legislação de parcelamento do solo integralmente, optou o empreendedor por respeitar a fração mínima de parcelamento do módulo rural, gerando lotes com mais de 02 hectares, 03 hectares, 04, hectares ou 05 hectares. Neste caso, não será possível a regularização fundiária, pois a restrição imposta pelo legislador em relação ao tamanho das unidades imobiliárias impede a aceitação de lotes que extrapolem as medidas legais admitidas. Não faz diferença se o núcleo está localizado na zona urbana ou na zona rural, pois o que interessa é a finalidade dele. Tendo uma finalidade urbana (moradia, comércio, serviços, lazer) aplica-se a limitação imposta pelo legislador para fins de regularização fundiária.
As áreas de domínio público, que permanecem no domínio público (ruas, praças) não estão sujeitas a limitação imposta pelo artigo 11, inciso I, da Lei nº 13.465/17 em relação ao tamanho da unidade imobiliária. Isso acontece porque o legislador ao mencionar “unidades imobiliárias” está se referindo às ocupações particulares. Eventuais espaços públicos, sejam eles edificações ou espaços livres, por uma questão de lógica, não podem estar submetidos a uma limitação de tamanho. O sistema viário, as praças, áreas de recreação ou lazer (campos de futebol, áreas verdes), não poderiam caber dentro dessa limitação, pois assim o próprio interesse público estaria sendo violado. Se a sede da Prefeitura, por exemplo, ocupa um lote superior a 02 hectares, extrapolando o limite para aquele Município, não se pode impor a Prefeitura que diminua a sua área.
Se ocupa mais de 02 hectares é porque o interesse de toda uma coletividade está ali sendo atendido. Se o Poder Público exerce sobre um terreno de mais de 02 hectares a sua efetiva posse, não há como limitar isso, sem que também o próprio interesse público estivesse sendo limitado, tolhido em parte.
Há uma teoria antiga, de Hely Lopes Meirelles e Celso Antônio Bandeira de Mello, confirmada pelos Tribunais de Justiça, que os bens ocupados pela Administração Pública incorporam-se ao domínio dela, mesmo antes do registro, com o simples “apossamento administrativo”. Opera-se o que a jurisprudência chama de “fato consumado”, porque equipara a ocupação de um imóvel pelo Poder Público como “desapropriação indireta”. O cabimento de indenização ao dono do imóvel particular, se houver, dependerá da iniciativa dele, já que é um direito subjetivo, e deverá fazê-lo dentro do prazo prescricional, que pode ser de cinco ou dez anos, conforme a corrente doutrinária e jurisprudencial que se filiar.
O registro não é dispensado, fica como uma simples formalidade. Uma vez a Prefeitura na posse do imóvel, ela não pode ser retirada (não cabe ação de reintegração contra o Poder Público), a não ser por um ato expropriatório da União ou do Estado, com pagamento de prévia indenização.
Dentro de um contexto geral, aquilo que está na posse do Município, é de seu domínio, motivo pelo qual seria impossível juridicamente excluir parte dessa área. A doutrina diz que se são incorporados ao domínio público, certamente é crime e ato de improbidade administrativa
dispensá-los (existe uma proteção especial ao patrimônio imobiliário). O registro é uma formalidade, útil para eventuais convênios com a União ou o Estado para repasse de recursos, por exemplo.
Independentemente da propriedade do solo
Será considerando como núcleo urbano o assentamento com usos urbanos e com lotes com área inferior a fração mínima do módulo rural, e isso independe da propriedade do solo, que poderá ser de domínio público, domínio particular, ou até mesmo ser um imóvel sem registro imobiliário que identifique o titular do domínio.
Ainda que qualificada ou inscrita como rural
A doutrina é pacífica nesta questão. O imóvel será considerado como urbano, aplicando-se a legislação urbana, se ele possuir usos urbanos, e será considerado rural, aplicando-se a legislação rural, se possuir uso ou vocação para atividades rurais. A previsão em lei municipal da localização do núcleo em zona urbana ou rural, ou até mesmo o seu cadastro no INCRA, não são suficientes para definir a regra, a norma, a lei que será aplicada para cada imóvel, em matéria de licenciamento. O que será levado em conta é o “uso” e a “característica” do imóvel, como urbano ou como rural. Se é um loteamento ou um condomínio situado em zona rural, mas usado para fins de moradia, ou seja, com uso urbano, deverá ser considerado como núcleo urbano. Por outro lado, se fosse um núcleo localizado no perímetro urbano do Município, mas usado para atividades de agricultura e pecuária, não poderia ser núcleo urbano, já que não tem tal finalidade. Isso também reforça o entendimento que o núcleo urbano pode estar localizado dentro do perímetro urbano do Município, em área contínua ao centro urbanizado da cidade ou contínua a zona de expansão urbana, como também pode o núcleo urbano estar localizado em uma área não contínua, que são as zonas de urbanização específica, em locais periféricos, fronteiriços, formando o que denominamos de bolsões urbanos no meio da zona rural.
Assim como já fazia na Lei nº 11.977/09, que reconhecia no artigo 47, I, que a área urbana era parcela do território municipal “contínua ou não”, o legislador na Lei nº 13.465/17, no artigo 11, I, reconhece que será núcleo urbano mesmo estando em uma parcela da cidade fora da zona urbana ou de expansão urbana, e mesmo que inscrito ou cadastrado como rural. A localização é útil para fins de planejamento municipal, para atender normas de posturas municipais, para atender a legislação tributária, mas a localização é indiferente quando queremos declarar um assentamento consolidado como núcleo urbano, pois o que ao final das contas vai fazer a diferença é o uso efetivo dele, o uso de fato, o uso urbano (moradia, lazer, comércio, serviços, institucional).
Acontece que quando estamos diante de um projeto de parcelamento do solo, onde pretenda a Administração alterar a zona rural para urbana para futura instalação de um sítio de recreio ou chácara de recreio/lazer, não poderá fazê-lo constituindo zonas de urbanização específica inseridas no meio da zona rural, rompendo a ideia de continuidade da zona urbana e da zona de expansão urbana. Para regularizar, evidente, estamos analisando situação de fato, consolidada, por isso admitem-se esses “bolsões urbanos” no meio da zona rural, mas quando se trata de projeto, para futuro licenciamento, a doutrina sobre planejamento urbano não compreende como lógico estabelecer na zona rural um mosaico com lotes rurais e lotes urbanos, confundindo funções de uso do solo, que até por questões de melhor aproveitamento ambiental deveriam ficar separadas, isto é, a zona urbana separada da zona rural. Para regularizar pode haver bolsão urbano na zona rural, mas para aprovar novos e futuros projetos de instalação não.
Segundo o artigo 3º, §13, do Decreto nº 9.310/18, o disposto na Lei nº 13.465/17 e no Decreto se aplica aos imóveis localizados em área rural, desde que a unidade imobiliária tenha área inferior à fração mínima de parcelamento prevista no artigo 8º da Lei nº 5.868/72.
Reforça isso o artigo 44, §4º, da Lei nº 13.465/17, ao estabelecer que o registro da Certidão de Regularização Fundiária – CRF aprovado independe de averbação prévia do cancelamento do cadastro de imóvel rural no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Na verdade, compete ao oficial do cartório de registro de imóveis, após o registro da CRF, notificar o Incra, o Ministério do Meio Ambiente e a Secretaria da Receita Federal do Brasil para que esses órgãos cancelem, parcial ou totalmente, os respectivos registros existentes no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e nos demais cadastros relacionados a imóvel rural, relativamente às unidades imobiliárias regularizadas.
O artigo 3º, §14, do Decreto nº 9.310/18 dispõe que após o registro da Reurb de núcleos urbanos informais situados em áreas qualificadas como rurais, os Municípios ou o Distrito Federal poderão efetuar o cadastramento das unidades imobiliárias, para fins de lançamento de tributos, observados os requisitos do artigo 32, do Código Tributário Nacional e legislação tributária municipal.
Conceito de núcleo urbano informal
A Lei nº 11.977/09 não tinha uma definição de “área urbana informal”. Essa conceituação passa a ser empregada pela Lei nº 13.465/17, artigo 11, inciso II, e pelo artigo 3º, inciso II, do Decreto nº 9.310/18, segundo o qual “núcleo urbano informal” é “aquele clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização”.
O artigo 11, inciso II, da Lei nº 13.465/17 adota a conceituação da doutrina antiga, especialmente de Diógenes Gasparini, que distinguia os parcelamentos do solo em legais e ilegais. Diógenes subdividia os parcelamentos ilegais em clandestinos e irregulares.
Parcelamento clandestino
Os parcelamentos clandestinos não são aqueles desconhecidos pela Administração. Pode ser que já os tenha autuado, embargado, tomado diversas medidas ao alcance do seu poder de polícia. Porém, nunca foi aprovado pela Prefeitura, por mais que o seu idealizador, loteador ou incorporador tenha apresentado projeto para este fim, na época de sua implantação. Clandestino é o parcelamento não aprovado. É o loteamento, o desmembramento, o condomínio sem a licença, o alvará ou o decreto de aprovação municipal.
Parcelamento irregular
Os parcelamentos irregulares, ao contrário, são os aprovados pela Prefeitura, mas executados de forma parcial ou diferente do projeto aprovado e da legislação urbanística.
Não foi possível a titulação dos ocupantes
Além dos clandestinos ou irregulares, o “núcleo urbano informal” também pode ser o que não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização. Adota-se um conceito bem amplo de núcleo urbano informal. Podemos ter um núcleo urbano que foi aprovado pela Prefeitura e levado a registro no Cartório de Imóveis, e que foi executado cumprindo fielmente o projeto aprovado e o cronograma físico de execução das obras de infraestrutura urbana, mas deixou de fazer a transferência da propriedade dos lotes, das frações ideais, das unidades imobiliárias aos adquirentes ou a transferência das áreas públicas ao Município.
Portanto, são núcleos urbanos informais os assentamentos de uso urbano: a) clandestinos (os que não foram licenciados ou aprovados pela Prefeitura); b) irregulares (os que aprovados ou registrados, foram executados de forma contrária ao projeto ou legislação); c) não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida à legislação vigente à época da implantação ou regularização.
Conceito de núcleo urbano informal consolidado
É núcleo urbano informal consolidado “aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município”, nos termos do artigo 11, inciso III, da Lei nº 13.465/17 e artigo 3º, inciso III, do Decreto nº 9.310/18.
Pelo artigo 21, § 3º, da Medida Provisória nº 759/16, que foi convertida na Lei nº 13.465/17, seriam “núcleos urbanos informais consolidados: I – aqueles existentes na data de publicação desta Medida Provisória; e II – aqueles de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelos Municípios ou pelo Distrito Federal”.
Essa medida provisória foi assinada em 22 de dezembro de 2016 e publicada em 23 de dezembro de 2016. Desse modo, pelo texto original dela, somente seriam considerados como “núcleo urbano informal consolidado” e poderiam ser regularizados os existentes em 23/12/2016, data de publicação da Medida Provisória nº 759/16.
No entanto, através de emenda parlamentar, o conceito de núcleo urbano informal consolidado proposto pela União foi alterado para que não mais exista uma data limite para o Município admitir a regularização de núcleos urbanos informais consolidados. O texto original da Medida Provisória nº 759/16 previa um marco temporal, uma data limite de existência ou implantação desses núcleos para que fossem qualificados como consolidados. É uma exigência que desapareceu do conceito de “núcleo urbano informal consolidado”. Como vemos pelo exposto no artigo 11, III, da Lei nº 13.465/17, “núcleo urbano informal consolidado” é “aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município”. Não há qualquer menção que esses núcleos sejam existentes em 22/12/16 ou anteriores a publicação da própria Lei nº 13.465/17. Nada disso foi exigido.
Estando a Prefeitura convencida de que foi implantado um núcleo e ele está efetivamente consolidado, poderá aplicar a Lei nº 13.465/17 independentemente da data em que tenha ocorrido essa consolidação, mesmo que posterior a entrada em vigor da Medida Provisória nº 759/16 ou da Lei nº 13.465/17.
Se por um lado emenda parlamentar tenha excluído o marco temporal, outras emendas parlamentares inseriram no texto original da Medida Provisória algumas restrições para o núcleo urbano informal consolidado implantado após 22 de dezembro de 2016 (data de assinatura da Medida Provisória nº 759/16).
Pelo artigo 9º, §2º, da Lei nº 13.465/17, “a Reurb promovida mediante legitimação fundiária somente poderá ser aplicada para os núcleos urbanos informais comprovadamente existentes, na forma desta Lei, até 22 de dezembro de 2016”. E pelo artigo 23, “a legitimação fundiária constitui forma originária de aquisição do direito real de propriedade conferido por ato do poder público, exclusivamente no âmbito da Reurb, àquele que detiver em área pública ou possuir em área privada, como sua, unidade imobiliária com destinação urbana, integrante de núcleo urbano informal consolidado existente em 22 de dezembro de 2016”.
Mesmo sendo possível regularizar núcleo urbano informal consolidado após a entrada em vigor da nova legislação, a “legitimação fundiária” somente será possível se isso tiver ocorrido até 22 de dezembro de 2016, que é a data de assinatura da Medida Provisória nº 759/16.
Da mesma forma o artigo 98, da Lei nº 13.465/17, ao dispor sobre a venda dos lotes aos ocupantes pelo Poder Público quando a ocupação incidir sobre imóvel público: “Fica facultado aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal utilizar a prerrogativa de venda direta aos ocupantes de suas áreas públicas objeto da Reurb-E, dispensados os procedimentos exigidos pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e desde que os imóveis se encontrem ocupados até 22 de dezembro de 2016, devendo regulamentar o processo em legislação própria nos moldes do disposto no art. 84 desta Lei”.
E a nova redação dada aos artigos 1º, 2º e 9º da Medida Provisória nº 2.220/01 também impõe como um dos requisitos da “concessão de uso especial para fins de moradia” e da “autorização de uso” que a “posse” seja anterior a 22 de dezembro de 2016.
Os demais institutos jurídicos aptos a conferir domínio ou posse aos ocupantes não exigem esse marco temporal. É o caso da “legitimação de posse”, da “concessão de direito real de uso”, dos “contratos de compromisso de compra e venda”, da “usucapião”.
Houve uma evolução do legislador nesta conceituação, pois a matéria de núcleo urbano consolidado, área urbana consolidada, assentamento consolidado ou ocupação antrópica consolidada era tratada com um rigor maior pelas regulamentações passadas, que tinham previsão na Resolução CONAMA nº 303/02, na Lei nº 11.977/09 e em diversas normas de Corregedorias Gerais da Justiça destinadas aos serviços extrajudiciais.
Com a nova legislação, os Municípios assumem integralmente a competência para definir o que será qualificado como núcleo urbano informal consolidado.
Deverá a Prefeitura, na decisão que instaura o procedimento de regularização fundiária, declarar que o terreno constitui um “núcleo urbano informal consolidado”, situação permanente e de difícil reversão ao statu quo, isto é, à situação anterior das construções e das interferências ambientais e urbanísticas implementadas no imóvel, considerando alguns aspectos:
a) o tempo da ocupação com a verificação de eventuais documentos públicos ou privados, contas de luz, de água, tributos, intimações, embargos, contratos informais, fotos aéreas e do local, ofícios de órgãos públicos, ações judiciais, autuações criminais, que demostrem não se tratar de uma ocupação recente e, para fins de “legitimação fundiária”, “venda direta” ou “concessão de uso especial”, esteja consolidada até 22/12/16;
b) a natureza das edificações tem por objetivo identificar se são construções de natureza permanente que demandem prejuízo a sua demolição ou desmanche, ou se são apenas ocupações temporárias, como tendas ou coberturas de madeiras, facilmente removíveis, as quais não atendem ao requisito de “difícil reversão”;
c) a existência das vias de circulação, com a menção de sua localização em planos administrativos, é um indicativo de situação consolidada, com a formação de um bairro, com ruas ou passagens que garantam acessibilidade aos ocupantes;
d) a presença de equipamentos públicos, mesmo em assentamentos clandestinos demonstra o reconhecimento da situação de fato do assentamento urbano, e é comum, pois no cumprimento dos direitos fundamentais ou sociais assegurados pela Constituição Federal, pode ser que no imóvel já exista rede de água, esgoto, drenagem ou iluminação pública e domiciliar executados pelo próprio Poder Público, além disso, nos loteamentos mesmo que clandestinos ou irregulares, pode ser que o loteador tenha executado a infraestrutura urbana, total ou parcialmente;
e) circunstâncias de natureza cultural também devem ser levadas em consideração, pois pode ser um núcleo formado por pessoas que se identificam de alguma forma por laços tradicionais, religiosos, culturais, étnicos, que ali estabeleceram suas rotinas, seus estudos, seus locais de trabalho há anos, constituindo valores imateriais, que transcendem a simples apresentação de documentos, e exigem relatórios e pareceres da equipe de apoio social que demostre tais circunstâncias, isto é, o vínculo social que possuem com a terra que ocupam e o bairro que a circunda;
f) ainda podem ser incluídas outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município, tal como a existência de um cadastro imobiliário na Prefeitura para fins de lançamento individual do IPTU para cada unidade ocupada, o que é suficiente para demonstrar que o Município está reconhecendo e aceitando o assentamento, ou, ainda, podemos citar a concessão de títulos de posse ou a expedição de alvarás de construção, que também pressupõem o reconhecimento formal da situação consolidada e irreversível.
A demonstração da situação consolidada é requisito fundamental para o Administrador Público se valer dos benefícios da Lei nº 13.465/17 na regularização fundiária de sua cidade e deverá fazê-lo já na primeira etapa do procedimento de regularização fundiária, que é o requerimento e a decisão de instauração da Reurb. Só há razão para instaurar a Reurb se for núcleo consolidado e será este importante elemento da regularização que deverá ficar declarado e muito bem demonstrado no requerimento, na decisão e, consequentemente, no processo administrativo.
Áreas de risco
Para que seja aprovada a Reurb de núcleos urbanos informais, ou de parcela deles, situados em áreas de riscos geotécnicos, de inundações ou de outros riscos especificados em lei,
estudos técnicos deverão ser realizados, a fim de examinar a possibilidade de eliminação, de correção ou de administração de riscos na parcela por eles afetada (artigo 39, da Lei nº 13.465/17).
Segundo o artigo 105, do Decreto nº 9.310/18, na hipótese de decisão pela remoção do núcleo urbano informal consolidado, deverão ser realizados estudos técnicos que comprovem que o desfazimento e a remoção do núcleo urbano não causarão maiores danos ambientais e sociais do que a sua regularização, exceto se forem áreas de risco a serem realocadas conforme o disposto no § 2º, do art. 39, da Lei nº 13.465/17.
Sítios de recreio ou chácaras de lazer
Os chamados sítios de recreio ou chácaras de lazer, destinados a moradia ou recreação, geralmente localizados na zona rural, também podem ser regularizados, desde que os lotes possuam área menor que a “menor fração do módulo rural para o Município”. Os sítios de recreio ou chácaras de lazer serão regularizados como loteamentos ou condomínios, considerando a situação de “fato”, consolidada.
Independe de ZEIS
A Reurb independe de lei municipal declarando o núcleo urbano informal como Zona Especial de Interesse Social – ZEIS, conforme literalmente previsto no artigo 18, §2º, da Lei nº 13.465/17.
Conjuntos habitacionais
Serão regularizados como conjuntos habitacionais os núcleos urbanos informais que tenham sido constituídos para a alienação de unidades já edificadas pelo próprio empreendedor, público ou privado. Os conjuntos habitacionais podem ser constituídos de parcelamento do solo com unidades edificadas isoladas, parcelamento do solo com edificações em condomínio, condomínios horizontais ou verticais, ou ambas as modalidades de parcelamento e condomínio (artigo 59, da Lei nº 13.465/17).
Condomínio urbano simples
Quando um mesmo lote contiver construções de casas ou cômodos, poderá ser instituído condomínio urbano simples, respeitados os parâmetros urbanísticos locais, e serão discriminadas, na matrícula, a parte do terreno ocupada pelas edificações, as partes de utilização exclusiva e as áreas que constituem passagem para as vias públicas ou para as unidades entre si (artigo 61, da Lei nº 13.465/17).
Áreas de Preservação Permanente, Unidades de Conservação e Áreas de Proteção de Mananciais
Constatada a existência de núcleo urbano informal situado, total ou parcialmente, em área de preservação permanente ou em área de unidade de conservação de uso sustentável ou de proteção de mananciais definidas pela União, Estados ou Municípios, a regularização fundiária poderá ser realizada, desde que se observe, também, o disposto nos artigos 64 e 65 da Lei nº 12.651/12 (Código Florestal), hipótese na qual se torna obrigatória a elaboração de estudos técnicos que justifiquem as melhorias ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior, inclusive por meio de compensações ambientais, quando for o caso (artigo 11, §2º e 3º, da Lei nº 13.465/17).
Ocupações às margens de reservatório de água
Na regularização fundiária cuja ocupação tenha ocorrido às margens de reservatórios artificiais de água destinados à geração de energia ou ao abastecimento público, a faixa da área de preservação permanente consistirá na distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum (artigo 11, §4º, da Lei nº 13.465/17).
Áreas com demanda judicial
As áreas que possuam demanda judicial são suscetíveis a regularização fundiária, a não ser que a ação judicial possua uma decisão liminar ou definitiva que impeça a análise, aprovação e registro da Reurb (artigo 74, da Lei nº 13.465/17). A propositura de ação judicial, sem providência do Poder Judiciário, por si só não impede a qualificação do núcleo como “consolidado”.
Parcelamentos implantados antes de 19/12/1979
Dispõe o artigo 69, da Lei nº 13.465/17, que podem ser regularizadas as glebas parceladas para fins urbanos anteriormente a 19/12/79, que não possuírem registro, desde que estejam implantadas e integradas à cidade. A data de 19/12/79 é a data de promulgação da Lei nº 6.766/79 (Lei de Parcelamento do Solo Urbano).
Expansão do núcleo informal
Pode acontecer do núcleo urbano informal torna-se consolidado em determinada data, mas ao longo do tempo aumenta seu perímetro, em razão de novas ocupações em suas extremidades ou até em unidades vagas no dentro do seu perímetro originário. O Município deve considerar a data no qual tornou-se consolidado, sem excluir disso as novas ocupações, que passam a fazer parte integrante do núcleo consolidado, mesmo que executadas posteriormente.
Localização do núcleo urbano em mais de um Município
Conforme o artigo 33, do Decreto nº 9.310/18, na hipótese de núcleo urbano informal localizado em mais de um Município e de não ser possível o seu desmembramento, de forma que cada parcela fique integralmente no território de um Município, o projeto urbanístico deverá assinalar a sua divisão territorial. Na hipótese da divisão territorial atingir a unidade imobiliária de modo que esta fique localizada em mais de um Município, os Poderes Públicos municipais poderão instaurar os procedimentos da Reurb de forma conjunta. Não instaurado o procedimento de forma conjunta, o Poder Público municipal que instaurar a Reurb indicará apenas as unidades imobiliárias cuja porção territorial esteja situada em seu território.
Conceito de ocupante
Ocupante é aquele que mantém poder de fato sobre lote ou fração ideal de terras públicas ou privadas em núcleos urbanos informais (artigo 11, VII, da Lei nº 13.465/17 e artigo 3º, VIII, do Decreto nº 9.310/18). Em certas ocasiões, o legislador refere-se ao ocupante como “beneficiário”, especialmente quando está tratando dos títulos que serão entregues ou os documentos aptos a abertura de registro em nome do ocupante. Na responsabilidade pelo custeio do projeto e da infraestrutura essencial, volta o legislador a usar a expressão “beneficiários” no lugar de ocupantes. A interpretação que se faz disso é que enquanto não “aprovada” a Reurb devem ser chamados de “ocupantes” e, após a sua aprovação, de “beneficiários” dos títulos e responsáveis pela infraestrutura.
Ato administrativo que qualifica como núcleo urbano informal consolidado
Uma providência importante a ser tomada pelo Município é declarar que o terreno objeto da regularização constitui um núcleo urbano informal consolidado. Avalia-se o que foi alegado e constou do requerimento para ser proferida uma decisão pelo deferimento ou indeferimento do pedido. Deferido o pedido, significa que o Município o reconhece e o declara como consolidado, para os fins de regularização fundiária. Essa qualificação como consolidado deverá ser realizada na decisão que instaura o procedimento administrativo de regularização fundiária. Não pode ser um despacho, portaria ou decreto. A lei federal fala em “decisão”. É o ato administrativo adequado para o reconhecer o núcleo como consolidado. É uma decisão que compete exclusivamente ao Município, assim dispôs o artigo 32, da Lei nº 13.465/17:
Art. 32. A Reurb será instaurada por decisão do Município, por meio de requerimento, por escrito, de um dos legitimados de que trata esta Lei.
Essa mesma decisão que instaura o procedimento administrativo de regularização fundiária, reconhecendo-o como núcleo urbano informal consolidado, deverá classificar a modalidade de regularização, em Reurb-S ou Reurb-E. Nesse sentido, o artigo 30, inciso I e §2º, da Lei nº 13.465/17:
Art. 30. Compete aos Municípios nos quais estejam situados os núcleos urbanos informais a serem regularizados:
I – classificar, caso a caso, as modalidades da Reurb;
(…)
Então, a decisão possui duas importantes finalidades; a) “qualificar” e “declarar” o assentamento como núcleo urbano informal consolidado; b) “classificar” a modalidade de regularização (Reurb-S ou Reurb-E). Essa decisão deve ser proferida no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados do protocolo do requerimento de regularização na Prefeitura.
Criado por: Desenho e Arte