Conceito
Segundo Toshio Mukai, o Estudo de Impacto de Vizinhança destina-se a permitir que os órgãos competentes da Prefeitura examinem a adequação do empreendimento no respectivo local e entorno, com relação aos aspectos do sistema viário e de transportes, produção de ruídos e resíduos sólidos, capacidade de infraestrutura instalada. O Estudo de Impacto de Vizinhança resultará no Relatório de Impacto de Vizinhança. As eventuais restrições previstas no relatório não são de natureza civil, mas sim limitações administrativas, mais propriamente de caráter ambiental urbanístico. Não se deve confundir, outrossim, o impacto de vizinhança com as restrições de vizinhança impostas pelo Código Civil, pois enquanto estas são de natureza privada, as restrições do Relatório de Impacto Ambiental são de ordem pública[1].
É o mais importante instrumento de atuação no meio ambiente artificial, explica Celso Antonio Pacheco Fiorillo, na perspectiva de assegurar a dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, III, da Constituição Federal, o estudo de impacto de vizinhança (EIV) tem como objetivo compatibilizar a ordem econômica do capitalismo, estabelecido no artigo 1º, IV e 170, ambos da Constituição Federal, em face dos valores fundamentais ligados às necessidades dos brasileiros e estrangeiros residentes no País justamente em decorrência do trinômio vida-trabalho-consumo. O EIV segue necessariamente os critérios impostos pelo art. 225, §1º, IV, da Constituição Federal, o que se traduz em instrumento de natureza jurídica constitucional. Daí ser despicienda por inconstitucional a primeira parte do artigo 36 do Estatuto da Cidade, que condiciona os empreendimentos e atividades privados ou públicos sujeitos ao estudo à “lei municipal”, posto que a exigência do estudo se estabelece, ainda que na forma da lei, para qualquer instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental[2].
O Estudo de Impacto de Vizinhança deverá sempre ser executado observando-se critérios específicos elaborados pelo Estatuto da Cidade, que são algumas exigências prévias de índole constitucional, a saber: 1) o Poder Público municipal tem incumbência de exigir o EIV, tanto para instalação de obra como para instalação de atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental; 2) o EIV será sempre necessariamente prévio à instalação de obra ou à instalação de atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental; 3) será sempre dada publicidade ao EIV, como estudo complexo realizado por equipe multidisciplinar, observando-se particularmente, no âmbito
da Carta Magna, a diretriz fixada no art. 1º, Il, que assegura o fundamento da cidadania como constitutivo do Estado Democrático de Direito e que terá desdobramentos no Estatuto da Cidade em face da gestão democrática da cidade[3].
Lei municipal
Compete à lei municipal definir os empreendimentos e atividades privados ou públicos, em área urbana, que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (ElV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público Municipal (artigo 36, Estatuto da Cidade).
As respectivas leis de cada Município fixarão os critérios a partir dos quais serão determinadas as atividades e empreendimentos submetidos à regra contida na lei federal. E assim o é porque cada Município terá condição de averiguar que tipos de empreendimentos podem gerar um distúrbio d grande porte a ponto de exigir sua intervenção na prestação de serviços públicos ou, ao contrário, impedir que o projeto siga em frente, com a denegação da competente licença. Tudo isso levando em consideração seu espaço territorial e as características a ele inerentes[4].
A título de exemplo, na cidade de São Paulo adota-se um critério objetivo para identificar os empreendimentos sujeitos ao estudo. Ressalta-se que a exigência do estudo em São Paulo já ocorria mesmo antes do Estatuto da Cidade, que é de 2001. Segundo o Decreto nº 34.713, de 1994, do então Prefeito Paulo Maluf, o Estudo de Impacto de Vizinhança será exigido nas seguintes hipóteses:
Art. 1º – São considerados como de significativo impacto ambiental, ou de infra-estrutura urbana de projetos de iniciativa pública ou privada, referentes à implantação de obras de empreendimento cujo uso e área de construção computável estejam enquadrados nos seguintes parâmetros:
I. Industrial – igual ou superior a 20.000m² (vinte mil metros quadrados);
II. Institucional – igual ou superior a 40.000m² (quarenta mil metros quadrados);
III. Serviços/Comércio – igual ou superior a 60.000m² (sessenta mil metros quadrados);
IV. Residencial – igual ou superior a 80.000m² (oitenta mil metros quadrados).
Art. 2º (…)
Parágrafo único – Ficam dispensados da apresentação de Relatório de Impacto de Vizinhança – RIVI:
a) Os projetos dos empreendimentos destinados à Habitação de Interesse Social – HIS, construídas com recursos do Fundo Municipal de Habitação, e os de empreendimentos cujos novos parâmetros urbanísticos tenham sido aprovados pela Comissão Normativa de Legislação Urbanística – CNLU, da Secretaria Municipal do Planejamento – SEMPLA, nos termos da Lei nº 10.209, de 9 de dezembro de 1986;
b) Os projetos de empreendimentos anteriormente aprovados com análise do Relatório de Impacto de Vizinhança – RIVI, desde que seja mantida a categoria de uso e não seja ampliada a área de construção computável;
c) Os projetos modificativos de empreendimentos cujas obras já tenham sido iniciadas ou os de reforma com acréscimo de área computável de até 20% (vinte por cento), desde que mantida a categoria de uso.
Destinatários do Estudo de Impacto de Vizinhança
A obrigação de elaboração do Estudo de Impacto de Vizinhança não é apenas dirigida aos particulares, mas também ao próprio Poder Público quando executor de obras inseridas nas características previstas em lei municipal. E isso é a maior prova de que o Estudo de Impacto de Vizinhança é uma exigência que não visa a diminuir a liberdade do proprietário como na restrição ou na limitação administrativa, mas apenas adequar o empreendimento ao meio do qual fará parte. E é claro que os próprios empreendimentos públicos geram impacto em seu entorno com seu simples surgimento o que exige um planejamento anterior para evitar distúrbios para aqueles que habitam ou desfrutam do local.
Perímetro urbano
Um questionamento que se apresenta é a possibilidade do Estudo de Impacto de Vizinhança fora do perímetro urbano do Município, haja vista que o Estatuto da Cidade regulamenta a política de desenvolvimento urbano. O que o Estudo visa é diminuir o impacto perturbador do equilíbrio daquelas regiões “sacudidas” com o novo empreendimento. Se o impacto puder ser sentido em função de obras realizadas fora do perímetro urbano, nada mais prudente que a realização do respectivo Estudo de Impacto de Vizinhança para que o Poder Público evite a ocorrência de distúrbios da mesma forma que tenta amenizá-Ias naqueles empreendimentos realizados dentro do próprio perímetro urbano. Parece que o critério a ser considerado é o da localização do impacto (aí, sim, dentro do perímetro urbano), e não necessariamente o da localização do empreendimento[5].
Elaboração do Estudo de Impacto de Vizinhança
O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, e, nos termos do artigo 37, caput, do Estatuto da Cidade, deverá incluir obrigatoriamente a análise, no mínimo, dos seguintes aspectos:
a) adensamento populacional
O EIV precisa considerar qual será o impacto que este novo empreendimento causará com o crescimento populacional que poderá ocorrer em função de sua implantação, com pessoas residindo no local e trabalhadores. O número de habitantes, trabalhadores ou transeuntes refletirá na ocupação do espaço urbano e é uma importante diretriz para entender se o local possui todos os elementos necessários que garantam vida e dignidade na ocupação desse espaço.
b) equipamentos urbanos e comunitários
É justamente o adensamento populacional que irá fundamentar a análise pela demanda de equipamentos urbanos e comunitários, identificando pelo número de pessoas estimado que ocupará o espaço se existe no projeto a infraestrutura suficiente (abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, drenagem das águas pluviais, iluminação pública e domiciliar), além dos prédios públicos destinados a escolas, postos de saúde, espaços e recreação e lazer, entre outros. Imagine aprovar um loteamento constituído de 200 lotes sem que exista a indicação das áreas públicas para a instalação de escolas, creches, prontos-socorros. É evidente que o impacto desse empreendimento seria sentido pela vizinhança, a que caberia suportar os ônus com essa nova demanda populacional.
c) uso e ocupação do solo
O uso e a ocupação do solo estão associados ao cumprimento das normas urbanísticas e edilícias previstas na legislação. A adequação do empreendimento às normas de posturas municipais são um representativo de legalidade do empreendimento.
d) valorização imobiliária
A valorização imobiliária poderá ser positiva para os moradores vizinhos de uma área degradada, mas poderá ser negativa em outra situação onde, por exemplo, a área do empreendimento é uma área sem edificações e que passará a contar com um shopping center, afetando a tranquilidade dos vizinhos e desvalorizando aquele bairro que antes era predominantemente residencial e com pequenos estabelecimentos comerciais. Deve-se avaliar não só e exclusivamente o interesse público, mas também o impacto ou retrocesso urbanístico-ambiental que certo empreendimento pode provocar no bairro.
e) geração de tráfego e demanda por transporte público
Ainda seguindo com o exemplo do shopping center, certamente o sistema viário será o mais afetado, diretamente, com um fluxo maior de veículos e pedestres, além do transporte coletivo, fundamental para que os funcionários e clientes do shopping até ele se desloquem. Poderia ser um centro empresarial, com escritórios e conjunto de edifícios, e o raciocínio seria o mesmo, pautado pela preocupação nos impactos que possam causar para o cotidiano das pessoas que ali já residem, trabalham ou circulam, como também para a nova população que irá adensar este novo espaço urbano. A garantia da cidade com dignidade é uma busca presente no Estatuto da Cidade e em toda filosofia envolvendo os fundamentos do urbanismo. A exigência de largura mínima das vias já era uma preocupação da Lei das XII Tábuas, da Roma Antiga, escrita a cerca de 462 a.c, tal como uma das normas da Tábua VII: Viam muniunto ni sam delapidassint, qua volet iumento agito (toda grande propriedade precisaria ter uma estrada). Determina que as vias tenham oito pés de largura. E as curvas era o dobro de pés de largura. Os historiadores afirmam que os Antigos (veteres) determinaram, posteriormente, que as vias tivessem doze pés de largura.
f) ventilação e iluminação
A ventilação e iluminação estão associados ao meio ambiente natural, notadamente a poluição que pode ser provocada pelas chamadas “ilhas de calor”[6] ou pela necessidade de iluminação solar dos edifícios, evitando a umidade e proliferação de traças, possibilitando economia no consumo de energia. Essa avaliação segue todo um critério. Um edifício isolado que é amplamente iluminado pelo sol talvez precise consumir mais energia para a instalação do sistema de ar-condicionado.
g) paisagem urbana e patrimônio natural e cultural
A Organização Mundial de Saúde – OMS recomenda 12m² de área verde por habitante. São Paulo possui 5,2m² por habitante. Nova Iorque possui 23,10m² por habitante. Curitiba possui 64,5m² por habitante. Vitória possui 91m² por habitante. São dados que precisam ser levados em conta. O EIV também precisa analisar os impactos positivos e negativos para a paisagem urbana, de modo que não haja um retrocesso urbanístico-ambiental reduzindo as áreas verdes, impermeabilizando o solo, adensando fortemente os espaços livres, sem que existam medidas de compensação.
Além disso, as áreas destinadas a proteção do patrimônio natural e cultural, tal como o bioma mata atlântica, precisam e devem ser levadas em consideração em eventuais impactos a serem suportados com um empreendimento na vizinhança.
O Estudo de Impacto de Vizinhança resultará no Relatório de Impacto de Vizinhança.
O EIV evidencia sua existência no princípio da prevenção do dano ambiental. Tem essência preventiva, calcada no princípio da prevenção ou precaução. O conteúdo do EIV deverá ser executado de forma a contemplar tanto os efeitos positivos como os efeitos negativos do empreendimento ou atividade e tem como objetivo explícito a tutela da qualidade de vida da população residente na área e sua proximidade, ou seja, tanto a que habita os bairros regulares como a que habita os bairros irregulares[7].
Publicidade
O Estatuto da Cidade prevê a publicidade dos documentos que integram o EIV, que deverão ficar disponíveis para consulta, por qualquer interessado, no órgão competente do Poder Público Municipal (artigo 37, parágrafo único, Estatuto da Cidade).
Se o Estudo de Impacto de Vizinhança tem o objetivo primordial de dar condições à Municipalidade de prever a repercussão que um empreendimento ou atividade podem trazer para um determinado local, nada mais indicado do que a população, principalmente aquela que nele habita, possa trazer sua contribuição e críticas. Com efeito, será ela a detentora de informações mais precisas sobre a região e o funcionamento das infraestruturas públicas no local. A participação da população na implementação de empreendimentos ou atividades não foi reconhecida apenas como regra, mas também como princípio.
Estudo Prévio de Impacto Ambiental
O EIV não substitui a elaboração e a aprovação de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (ElA), nos termos da legislação ambiental (artigo 38, Estatuto da Cidade).
[1] Toshio Mukai. O Estatuto da Cidade. Pág. 50.
[2] Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Renata Marques Ferreira. Estatuto da Cidade Comentado. Pág. 175.
[3] Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Renata Marques Ferreira. Estatuto da Cidade Comentado. Pág. 176.
[4] Adilson Abreu Dallari e Sergio Ferraz. Estatuto da Cidade. Pág. 313.
[5] Adilson Abreu Dallari e Sergio Ferraz. Estatuto da Cidade. Pág. 318
[6] Ilha de calor é um fenômeno climático que ocorre a partir da elevação da temperatura de uma área urbana se comparada a uma zona rural, por exemplo. Isso quer dizer que nas cidades, especialmente nas grandes, a temperatura é superior a de áreas periféricas, consolidando literalmente uma ilha (climática). Fonte: Brasil Escola – www.brasilescola.uol.com.br.
[7] Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Renata Marques Ferreira. Estatuto da Cidade Comentado. Pág. 176.
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